Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com as
previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até então,
criado condições para que este direito pudesse ser exercido.
A audiência de custódia é o instrumento processual
que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da
autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e
necessidade de manutenção da prisão.
A previsão legal encontra-se, desde muito, em
tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Com efeito, o art. 7º., 5, do
Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
reza: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora,
à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções
judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser
condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." No
mesmo sentido, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos de Nova York.
Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com as
previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até então,
criado condições para que este direito pudesse ser exercido. Em verdade, no
Brasil o primeiro contato entre juiz e preso normalmente ocorria na audiência
de instrução e julgamento, que, não raro, pode levar meses para ser designada.
Em fevereiro de 2015, o CNJ lançou um projeto para
garantir a realização da audiência de custódia, e um ano depois, em 01.02.2016,
entrou em vigor uma resolução que regulamenta tais audiências no Poder
Judiciário. A resolução estipulou prazo de 90 dias, contados a partir da
entrada em vigor, para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais
Federais se adequassem ao procedimento. Este prazo findou no corrente mês.
Não há, no Brasil, lei que regulamente o tema, embora
já haja projeto tramitando no Congresso (PLS nº 554/2011). Mas o STF já se
posicionou no sentido de ratificar a legalidade da metodologia das audiências.
No estado de São Paulo, as audiências vem sendo realizadas desde 2014, por
determinação do Tribunal de Justiça, que regulamentou o tema no Provimento Conjunto
nº 03/2015. Desde então, o programa já reduziu em 45% (quarenta e cinco por
cento) o número de prisões provisórias no estado.
A audiência será presidida por autoridade que detém
competências para controlar a legalidade da prisão. Além disto, serão ouvidas
também as manifestações de um Promotor de Justiça, de um Defensor Público ou de
seu Advogado. O preso será entrevistado, pessoalmente, pelo juiz, que poderá
relaxar a prisão, conceder liberdade provisória com ou sem fiança, substituir a
prisão em flagrante por medidas cautelares diversas, converter a prisão em
preventiva ou ainda analisar a consideração do cabimento da mediação penal,
evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de
práticas restaurativas.
Não bastassem as determinações em tratados
internacionais e a imperiosa necessidade de reforço do compromisso do Brasil na
proteção dos Direitos Humanos, há outros motivos que ratificam a realização das
audiências de custódia (também chamadas de audiências de apresentação). Dentre
eles, podemos citar o combate à superlotação carcerária (uma vez que
possibilita à autoridade judiciária a apreciação de pronto da legalidade da
prisão).
Contudo, o tema não é livre de críticas e polêmicas.
De acordo com a Resolução 213/2015, o prazo para
apresentação do preso em juízo é de 24 horas, mas há casos, de crimes de
extrema complexidade e de âmbitos transnacionais em que a própria lavratura do
auto de prisão em flagrante percorrerá período superior a este prazo. Assim, a
dúvida é que fica é: a partir de quando se conta tal prazo? Seria da situação
flagrancial, do momento em que for dada voz de prisão, da apresentação ao
delegado, do registro da ocorrência, do ato da lavratura, quando tomar ciência
dos direitos e garantias?
Outro ponto emblemático diz respeito à competência,
tendo em vista que a Resolução autoriza que, nos casos em que a ordem de
custódia for cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, será competente
para a audiência “autoridade judicial competente”. Parece-nos complicado que
outro juízo possa avaliar as prisões cautelares sem ser o juiz natural do
feito.
Também mencione-se o problema que será gerado para o
transporte e escolta do custodiado. O efetivo policial é escasso, os recursos
destinados a tais fins são restritos, e os riscos (não apenas de fuga, mas como
de se colocar a própria sociedade em perigo) são elevados.
Sim. As polêmicas são muitas. E provavelmente muitos
outros entraves virão a partir da efetivação do procedimento em território
nacional. Nossa intenção não é colocar em xeque a realização das audiências.
Pelo contrário. Pela vertente garantista, à qual nos filiamos, somos a favor de
efetivação cada vez maior dos direitos humanos. Contudo, necessário que um
direito seja exercido em sua plenitude. E, ainda, que toda a sociedade não seja
preterida para que se garanta o seu exercício.
*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB
Concursos, advogada e revisora textual.