sexta-feira, 22 de novembro de 2019

STJ RELAXA PRISÃO EM FLAGRANTE POR FALTA DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E OFICIA CNJ



É manifestamente ilegal manter um preso em flagrante por mais de 96 horas sem que seja feita a audiência de custódia. O entendimento é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao confirmar liminar que relaxou a prisão em flagrante de um acusado de tráfico de drogas e porte ilegal de arma no Ceará.

É manifestamente ilegal manter um preso em flagrante por mais de 96 horas sem que seja feita a audiência de custódia, diz STJ 

Além de deferir o Habeas Corpus, o colegiado decidiu comunicar o caso à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, a fim de que tome as providências cabíveis diante do descumprimento das normas sobre a audiência de custódia. “A ilegalidade ora reconhecida não configura prática isolada no Estado do Ceará”, afirmou o ministro Schietti, relator do processo, mencionando dois outros HCs daquele estado que trataram de situações semelhantes e nos quais também foi concedida liminar.

No caso mais recente, o homem foi preso em flagrante com maconha, crack, balança de precisão e um revólver. A defesa argumentou que o acusado ficou detido por mais de 96 horas sem a análise da legalidade da prisão ou a realização da audiência de custódia.

Foi impetrado Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Ceará, mas o desembargador plantonista se negou a despachar o pedido de liminar por entender que o caso não se enquadrava nas hipóteses passíveis de análise no plantão judiciário — o que levou a defesa a buscar o STJ.

Em liminar, o ministro Rogerio Schietti determinou o relaxamento da prisão em flagrante. Segundo ele, a ilegalidade presente no caso justifica a não aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, a qual, em princípio, impediria o exame do pedido da defesa antes da conclusão do julgamento do HC anterior no tribunal estadual.

Segundo o relator, o artigo 1º da Resolução 213 do CNJ — em conformidade com decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 — determina que toda pessoa presa em flagrante seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas, à autoridade judicial competente.
“Considerando que a prisão em flagrante se caracteriza pela precariedade, de modo a não se permitir a sua subsistência por tantos dias sem a homologação judicial e a convolação em prisão preventiva, identifico manifesta ilegalidade na omissão apontada”, afirmou o ministro.

Schietti frisou que, apesar de relaxar o flagrante, essa ordem não prejudica a possibilidade de decretação da prisão preventiva, se for concretamente demonstrada sua necessidade, ou de imposição de alguma medida alternativa prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal. Ele lembrou a importância de o juiz avaliar a necessidade de manutenção da prisão preventiva, pois a medida atinge um dos bens jurídicos mais expressivos do cidadão: a liberdade.

Juízes investigados
Recentemente, o presidente do STF e do CNJ, ministro Dias Toffoli, determinou que a Corregedoria Nacional de Justiça apure se dois juízes do Rio Grande do Sul cometeram infração disciplinar ao se recusarem a fazer audiências de custódia de presos em flagrante.

Segundo o ministro, juízes não podem inventar subterfúgios para deixar de cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal, como vêm fazendo com as audiências de custódia.

Pesquisa sobre o perfil da magistratura encomendada pelo CNJ já mostrou que o primeiro grau não gosta das audiências de custódia. De acordo com o levantamento, só metade dos juízes de primeira instância concorda com a medida. Já os desembargadores e ministros se mostraram a favor. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

HC 485.355
https://www.conjur.com.br/2019-abr-26/stj-relaxa-prisao-flagrante-falta-audiencia-custodia

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: O QUE É E COMO FUNCIONA



Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com as previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até então, criado condições para que este direito pudesse ser exercido.

A audiência de custódia é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão.

A previsão legal encontra-se, desde muito, em tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Com efeito, o art. 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos reza: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." No mesmo sentido, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York. 

Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com as previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até então, criado condições para que este direito pudesse ser exercido. Em verdade, no Brasil o primeiro contato entre juiz e preso normalmente ocorria na audiência de instrução e julgamento, que, não raro, pode levar meses para ser designada.

Em fevereiro de 2015, o CNJ lançou um projeto para garantir a realização da audiência de custódia, e um ano depois, em 01.02.2016, entrou em vigor uma resolução que regulamenta tais audiências no Poder Judiciário. A resolução estipulou prazo de 90 dias, contados a partir da entrada em vigor, para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais se adequassem ao procedimento. Este prazo findou no corrente mês.

Não há, no Brasil, lei que regulamente o tema, embora já haja projeto tramitando no Congresso (PLS nº 554/2011). Mas o STF já se posicionou no sentido de ratificar a legalidade da metodologia das audiências. No estado de São Paulo, as audiências vem sendo realizadas desde 2014, por determinação do Tribunal de Justiça, que regulamentou o tema no Provimento Conjunto nº 03/2015. Desde então, o programa já reduziu em 45% (quarenta e cinco por cento) o número de prisões provisórias no estado.

A audiência será presidida por autoridade que detém competências para controlar a legalidade da prisão. Além disto, serão ouvidas também as manifestações de um Promotor de Justiça, de um Defensor Público ou de seu Advogado. O preso será entrevistado, pessoalmente, pelo juiz, que poderá relaxar a prisão, conceder liberdade provisória com ou sem fiança, substituir a prisão em flagrante por medidas cautelares diversas, converter a prisão em preventiva ou ainda analisar a consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas.

Não bastassem as determinações em tratados internacionais e a imperiosa necessidade de reforço do compromisso do Brasil na proteção dos Direitos Humanos, há outros motivos que ratificam a realização das audiências de custódia (também chamadas de audiências de apresentação). Dentre eles, podemos citar o combate à superlotação carcerária (uma vez que possibilita à autoridade judiciária a apreciação de pronto da legalidade da prisão). 

Contudo, o tema não é livre de críticas e polêmicas.

De acordo com a Resolução 213/2015, o prazo para apresentação do preso em juízo é de 24 horas, mas há casos, de crimes de extrema complexidade e de âmbitos transnacionais em que a própria lavratura do auto de prisão em flagrante percorrerá período superior a este prazo. Assim, a dúvida é que fica é: a partir de quando se conta tal prazo? Seria da situação flagrancial, do momento em que for dada voz de prisão, da apresentação ao delegado, do registro da ocorrência, do ato da lavratura, quando tomar ciência dos direitos e garantias?

Outro ponto emblemático diz respeito à competência, tendo em vista que a Resolução autoriza que, nos casos em que a ordem de custódia for cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, será competente para a audiência “autoridade judicial competente”. Parece-nos complicado que outro juízo possa avaliar as prisões cautelares sem ser o juiz natural do feito.

Também mencione-se o problema que será gerado para o transporte e escolta do custodiado. O efetivo policial é escasso, os recursos destinados a tais fins são restritos, e os riscos (não apenas de fuga, mas como de se colocar a própria sociedade em perigo) são elevados.

Sim. As polêmicas são muitas. E provavelmente muitos outros entraves virão a partir da efetivação do procedimento em território nacional. Nossa intenção não é colocar em xeque a realização das audiências. Pelo contrário. Pela vertente garantista, à qual nos filiamos, somos a favor de efetivação cada vez maior dos direitos humanos. Contudo, necessário que um direito seja exercido em sua plenitude. E, ainda, que toda a sociedade não seja preterida para que se garanta o seu exercício.

*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.